A obra celebra os 80 anos de vida do autor, cumpridos em fevereiro deste ano // Divulgação

Em Viagem no país da crônica, o jornalista revisita a era de ouro do gênero e costura, de janeiro a dezembro, estações, feriados e acontecimentos históricos

O jornalista e cronista Humberto Werneck lança, em junho, o livro Viagem no país da crônica, pela editora Tinta-da-China Brasil. A obra celebra seus 80 anos de vida, cumpridos em fevereiro deste ano. Na obra, Werneck conduz o leitor a uma viagem completa do começo ao fim: de janeiro a dezembro, da infância à morte, comentando crônicas da era de ouro, assinadas por Clarice Lispector, Fernando Sabino, Otto Lara Resende e Rubem Braga.

O livro começou a tomar forma em setembro de 2018, quando o Instituto Moreira Salles, em parceria com a Fundação Casa de Rui Barbosa, inaugurou o Portal da Crônica Brasileira, do qual Humberto Werneck foi editor até 2021. Sete anos depois, seus textos publicados no portal são compilados em Viagem no país da crônica.

Werneck brinca ao considerar a crônica como o patinho feio da literatura — comparação ilustrada pela artista portuguesa Vera Tavares na capa do livro. Isso porque a crônica, fusão do jornalismo com a literatura, não é construída com o mesmo esmero que contos e romances, já que tem de cumprir o prazo do jornal. Porém, o autor defende que essa pressa imprime certo frescor e autenticidade ao texto.

Humberto Werneck demonstra que tudo é matéria de crônica — os textos analisados tratam de temas tão variados como o uísque, o mar, a fé, as fotografias e a chuva —, contanto que o tratamento dado à narrativa seja o de uma conversa despretensiosa no meio-fio (ou ao rés do chão, como define Antonio Candido). O autor traz ainda crônicas sobre eventos-chave da história do Brasil, como a Revolução de 30, o golpe de 64, a proclamação da República e a construção de Brasília.

Os autores da era de ouro da crônica brasileira (1950 a 1960), como Paulo Mendes Campos e Rachel de Queiroz, têm suas crônicas examinadas e costuradas com os comentários de Werneck, que faz intervenções, levanta curiosidades e atualiza fatos. O livro também conta com recortes de páginas de jornal, muitas vezes com rabiscos e anotações dos próprios escritores nas crônicas que publicaram à época. Há ainda, ao fim do volume, uma lista das crônicas citadas, para que todos possam se aprofundar nas obras mencionadas ao longo do livro, todas disponíveis no Portal da Crônica Brasileira.

Em Viagem no país da crônica, o leitor aprende sobre a nossa literatura e a nossa história a partir da prosa bem-humorada e irreverente de Humberto Werneck, jornalista que faz uma ponte entre a geração que floresceu nos anos 1950 e a contemporânea. Passando por sábados, carnavais, eclipses, golpes, primaveras e maios, este livro ilumina a era de ouro da crônica brasileira e cria um mosaico sensível do Brasil moderno.

A viagem na crônica de outros cronistas

“Mas que diabo, afinal, vem a ser a crônica? ‘Se não é aguda, é crônica…’, esquivou-se o Braga certa vez, quando lhe perguntaram. Tantas décadas depois, definir o gênero segue sendo um desafio”, é um trecho em que Werneck satiriza, com a ajuda de Rubem Braga, o próprio ofício de escrever crônicas.

É por meio de construções coletivas como essa que o livro ganha forma. São muitos os temas que surgem e para cada tema há uma série de pérolas pinceladas por Werneck na produção nacional, como esta de Rachel de Queiroz sobre o Carnaval: “O Carnaval já não foi inventado expressamente como preparativo da Quaresma, fornecendo ao fiel o pecado, para que ele tenha do que se arrepender?”.

O futebol é outro tema que aparece aqui e ali. Entre as anedotas citadas, está a do memorável jogo Copacabana x Ipanema-Leblon que rolou nas areias do Rio em dezembro de 1945. Os jogadores incluíam Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Aníbal Machado, Paulo Mendes Campos, Augusto Frederico Schmidt e Rubem Braga, que registrou a partida na crônica “Ultimamente têm passado muitos anos”. Com seu humor característico, Werneck comenta que, nessa rara partida, “todo gol seria necessariamente um gol de letras…”.

Viagem no país da crônica se estrutura na escrita espirituosa e informada de Werneck, que compõe suas próprias crônicas ao mesmo tempo que dialoga com a tradição literária do gênero.

Crônica sobre crônica, crônica ao quadrado

“Para falar de crônica, esse gênero maleável de definições imprecisas, Humberto costuma evocar, como sua aspiração máxima, a imagem de um bate-papo no meio-fio — leitor e cronista jogando conversa fora ‘em clima de deleitosa cumplicidade’. Por isso, a rigor, estes escritos de Humberto não são crônicas, pois prestam um serviço ao nos conduzir a outras leituras. Mas têm a leveza, o humor e o espírito que só alguém com catorze anos de labuta como cronista, dez dos quais em O Estado de S. Paulo, poderia empenhar. São conversas ao meio-fio e, portanto, podem muito bem passar por crônicas, sim. Crônica sobre crônica, crônica ao quadrado”, sintetiza o atual editor e colunista do Portal da Crônica Brasileira, Guilherme Tauil, que assina a orelha do livro.

Em junho, Werneck marca presença na 4ª edição d’A Feira do Livro — festival literário paulistano — para lançar a obra.

O evento dialoga com a própria essência da crônica, gênero que, como Werneck ressalta, não se distancia do cotidiano: “Nada de procurá‑lo, portanto, no topo do edifício, ou mesmo num segundo andar: é pelo rés do chão que você vai chegar a seu cronista — a um punhado deles, na verdade”.

Ficha técnica
Título: Viagem no país da crônica
Autor: Humberto Werneck
Editora: Tinta-da-China Brasil
Páginas: 304 pp.
ISBN: 978-65-84835-43-6
Preço: R$ 99,90
Formato: Brochura, 14 x 21 cm

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